quinta-feira, 18 de março de 2010

Brás Garcia de Mascarenhas

O Poeta

Decorria o último quartel do século XVI, quando Camões, então ignorado e abandonado, fechava os olhos pela última vez, e logo, quinze anos passados, vinha a nascer o poeta a quem hoje dedicamos este espaço.
Nasceu a 3 de Fevereiro de 1596 e após uma vida cheia, quer na vertente militar, quer na poética, morria na sua terra natal, (Avô) a 8 de Agosto de 1656.
Referi aqui o nome de Camões propositadamente, porque há nas obras de ambos algo de semelhante, de heróico e patriótico: Se Camões nos Lusíadas relata a epopeia dos descobrimentos de uma forma, diga-se orgulhosa, também Brás Garcia no Viriato Trágico relata o heroísmo do povo lusitano a começar por Viriato até D. João IV seu contemporâneo e amigo.
Se os trabalhos de Camões e de Brás Garcia de Mascarenhas têm algo de semelhante entre si, já o tratamento, ou a homenagem dada á memória de ambos foi bem diferente; Camões foi elevado aos píncaros da glória e considerado um símbolo nacional, com as suas obras a serem editadas até á exaustão, pelo contrário o nome de Brás Garcia foi remetido quase a um silêncio acusador e as suas obras arquivadas numa qualquer prateleira poeirenta.
Aceito os Lusíadas como a maior obra da nossa literatura e Camões seu autor como uma figura grande das nossas letras, mas dói-me ver o desprezo que é dado a esse grande vulto que foi Brás Garcia de Mascarenhas, por parte das autoridades académicas e administrativas deste País, enquanto sobrevalorizam, promovem, (ou têm promovido) muitos poetas de craveira bem menor através da inclusão de alguns dos seus trabalhos nos livros de ensino.
Sabemos que os Lusíadas são compostos por 1.102 estâncias divididas irregularmente por X cantos, mas quantos de nós sabemos que o Viriato Trágico se estende por XX cantos e atinge o número de 2.307 oitavas?
São muitas as razões que me levam a escrever sobre Brás Garcia de Mascarenhas mas aponto apenas algumas. Primeira; porque nasceu ali na Vila de Avô onde a Beira Alta toca a Beira Litoral, nas margens calmas e doces do Alva e onde como ele escreveu: “os montes a fio se perdem nos horizontes” num “labirinto de flores e de rios” a escassos quatro Quilómetros, onde quase três séculos e meio depois nascia este que agora vos escreve. Segunda; porque foi Governador da Vila de Alfaiates, a dois passos do Soito, terra que certamente ele alguma vez pisou, e que é hoje a minha outra terra, onde vivo há quase 47 anos e que era então sua vizinha como hoje é minha a que então foi sua. Terceira; porque foi certamente nas masmorras do Sabugal, onde esteve injustamente detido, que este seu mais ilustre prisioneiro começou a escrever, e porque o considero demasiado esquecido atendendo ao valor que como português soube demonstrar.
Falar de Brás Garcia de Mascarenhas não é fácil, nem tão pouco é suficiente um pequeno artigo num periódico de província, no entanto atrevo-me daqui, a chamar a atenção dos leitores para a vertente poética deste português no sentido de os sensibilizar para uma leitura atenta da sua obra.
Acerca do poeta, a 8 de Agosto de 1958, trezentos e dois anos após a sua morte e aquando da inauguração do seu busto na terra que o viu nascer, dizia o médico e poeta Dr. Vasco de Campos, que eu tive o gosto de conhecer e receber em minha casa no Soito; “Não é só esta terra de honrados pergaminhos que se sente na obrigação de lhe agradecer favores. Também a Pátria lhe deve altos e assinalados serviços.” e mais adiante “ Se a glória lhe acenou, em raros e fugidios momentos, logo a má sorte surgiu, a tolher-lhe os passos e a nublar-lhe o destino”. Este ilustre beirão há pouco desaparecido, num discurso proferido em 21 de Maio de 1972, titulou o Viriato Trágico como a “Bíblia do Lusitanismo” e merece bem este elogio o poeta que tão bem cantou a Beira, a sua “Beira em tudo soberana” de “pátrios montes, ásperos gigantes” de “vales deleitosos e refrigério de cálidos estios”
Transcrevo a seguir alguns versos deste “poeta-soldado” que entendo bastante significativos da sua arte e dos seus sentimentos:
Ao iniciar o canto I e referindo-se a Viriato escreve; Canto um pastor, amores e armas canto/ Canto o raio do monte e da campanha,/ Terror de Itália, do Mundo espanto,/ Glória de Portugal, honra de Hispanha. No inicio do canto XIII e a propósito da Restauração canta: Está de todo já ressuscitada,/ Se ontem quase defunta, monarquia;/ Por tantos lustres e heróis fabricada/ Por Sebastião desfeita em um só dia....
Enquanto Governador de Alfaiates e co garante da Independência Nacional escreveu no canto XV estancia 101; Visto tens, invencível Viriato, / Como estes reinos teus se levantaram./ Sua conservação te não relato, / Por ser um dos que a peitos a tomaram...
Acerca dos seus inimigos, queixava-se na 67 oitava do mesmo canto XV ; Cuidava um tempo, que nas mãos estava/ Dos homens evitarem seus perigos;/ Mas vim a conhecer que me enganava,/ E que tem, quem mais luz, mais inimigos.
Cansado de enganos e “repugnando-lhe o convívio com delatores” conforme as palavras do seu distinto conterrâneo Dr. Vasco de Campos, volta a Avô onde manifesta incontido a satisfação pelo regresso ao lar na estancia 104; Retiro-me a estes vales, a estas fontes,/ A estes frescos jardins e pátrios rios,/ Quando são cheios caço pelos montes/ E neles pesco, quando vão vazios.
Escreve ainda sobre os seus males; Como esta areia, como as estrelas,/ Como as ervas e folhas se não contam/ Assim meus males tantos, como elas/ São, pois não sei o numero a que montam!
O amor que devotou á Pátria está bem patente nesta sua afirmação; /“Quem a troco de vê-la restaurada, por ela morre, vive eternamente:”/
Para além de poeta, patriota e cidadão da mais alta sensibilidade, Brás Garcia de Mascarenhas, não era um português vulgar, vulgar é aquele que o quer manter ignorado ou que contribui para que tal aconteça.
Gostaria de um dia poder voltar ao assunto, veremos! Entretanto deixo o desafio aos estudiosos...
Termino com um agradecimento especial aos autores do livro Sonho Profético; Drs. Manuel Lopes Botelho e Mário Simões Dias que desenterraram um pouco o véu que cobria o poeta.
2010

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